Nesta quarta-feira (14), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou projeto (PL 226/2024) que define critérios para a decretação de prisão preventiva. O texto, de autoria do ex-senador Flávio Dino, teve parecer favorável do senador Sergio Moro (União-PR), com uma emenda de redação apresentada pelo senador Weverton (PDT-MA).
A prisão preventiva pode ser usada em qualquer fase do processo ou da investigação criminal e tem por objetivo evitar que o acusado cometa novos crimes ou prejudique o andamento do processo, com a destruição de provas, ameaça a testemunhas ou fuga.
Hoje o Código de Processo Penal (CPP) — Decreto-Lei 3.689, de 1941 — possibilita a prisão preventiva com base no risco que o detido possa oferecer a pessoas e à sociedade caso seja colocado em liberdade. A inovação proposta é a definição de quatro critérios que deverão ser levados em conta pelo juiz para avaliar a periculosidade da pessoa detida. São eles:
modo de agir, com premeditação ou uso frequente de violência ou grave ameaça;
participação em organização criminosa;
natureza, quantidade e variedade de drogas, armas ou munições apreendidas;
ou possibilidade de repetição de crimes, em vista da existência de outros inquéritos e ações penais em curso.
Atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino defende que os critérios poderão ajudar o juiz a decidir mais rapidamente sobre a prisão preventiva e afastar questionamentos sobre a aplicação desse tipo de prisão. Ele justifica que o magistrado não precisará, no entanto, se basear somente nos critérios sugeridos e poderá julgar com base em perigos oferecidos em cada caso.
Segundo o projeto, não será possível decretar prisão preventiva com base na “gravidade abstrata do delito”, sendo que o risco oferecido à ordem pública, à ordem econômica, ao processo criminal e à aplicação da lei deve ser demonstrado concretamente.
Relator da proposta, Moro acatou a sugestão apresentada em audiência pública pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, para deixar claro que os critérios são alternativos e não cumulativos. Bastará a presença de um deles para justificar a prisão preventiva.
Audiência de custódia
Sérgio Moro propôs emenda que define critérios semelhantes para orientar os juízes especificamente nas audiências de custódia, quando pode haver a conversão da prisão em flagrante em preventiva.
— Optamos por elencá-las a título de recomendação à autoridade judicial, pois não é a intenção estabelecer na lei hipóteses obrigatórias de prisão preventiva — explicou Moro.
Segundo ele, o que se pretende é evitar a concessão de liberdade, nas audiências de custódia, a criminosos perigosos para a sociedade ou para outras pessoas. São seis os critérios que recomendam a conversão da prisão em flagrante em preventiva:
haver provas que indiquem a prática reiterada de infrações penais;
ter a infração penal sido praticada com violência ou grave ameaça;
ter o agente já sido liberado em prévia audiência de custódia por outra infração penal, salvo se por ela tiver sido absolvido posteriormente;
ter o agente praticado a infração penal na pendência de inquérito ou ação penal;
ter fugido ou apresentar perigo de fuga;
oferecer perigo de perturbação do inquérito ou da instrução criminal e perigo para a coleta, conservação ou incolumidade da prova.
Os mesmos critérios deverão ser considerados na avaliação da manutenção da prisão cautelar ou da concessão da liberdade provisória nas audiências de custódia.
Por meio de emenda, o senador licenciado Carlos Viana (Podemos-MG) sugeriu que possuir residência fixa e ocupação lícita também fossem critérios para aferição da periculosidade do cidadão. O relator rejeitou os novos parâmetros e considerou que eles podem “conduzir a uma distinção com relação às pessoas sem residência fixa, à exemplo dos moradores de rua, bem como dos desempregados ou trabalhadores informais”.
Moro citou estatística do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) segundo a qual, desde 2015, quando foram implementadas, até junho deste ano, foram feitas 1,6 milhão de audiências de custódia após prisões em flagrante. Em 654 mil dessas audiências, foi concedida liberdade provisória aos presos. Já em 994 mil decisões, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva.
A liberdade provisória foi a opção em 39% das audiências, porcentagem considerada alta pelo senador. Na avaliação dele, o problema não está na audiência de custódia em si, mas na falta de critérios mais definidos para orientar o juiz.
— A falta de decretação da prisão preventiva de pessoas presas por crimes graves ou por infrações penais repetidas tem gerado a percepção da opinião pública de que as audiências de custódia geram impunidade, o que tem sido amplamente explorado pela imprensa. A ideia é evitar erros judiciais nas audiências de custódia, de soltar pessoas que sejam perigosas, violentas, que tenham cometido infrações reiteradas e de pessoas sobre as quais existam indicativos de que componham grupos criminosos organizados — argumentou.
Coleta de material biológico
Outra emenda do relator viabiliza a coleta de material biológico para obtenção de perfil genético de presos em flagrante por crime praticado com violência ou grave ameaça, por crime contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável. Também deverá ser coletado material biológico de quem integrar organização criminosa que possua ou utilize armas de fogo.
Segundo o texto proposto, o Ministério Público ou o delegado de polícia deverá requerer ao juiz a coleta e o armazenamento do perfil genético do preso, de acordo com a Lei 12.037, de 2009, que permite obtenção do perfil genético quando for essencial para a investigação policial.
A coleta de material biológico deverá ser feita, preferencialmente, na própria audiência de custódia ou em até 10 dias após a audiência, por agente público treinado. Esse ponto foi objeto de intenso debate na comissão. O relator defendeu a proposta.
— A coleta será requerida em casos de crimes violentos, crimes sexuais e envolvimento com o crime organizado. Não cabe uma avaliação probatória exaustiva da prisão na audiência de custódia, mas se alguém foi preso em flagrante por estupro, por exemplo, essa avaliação pode ser feita na audiência — pontuou.
O senador Fabiano Contarato se posicionou contra a emenda.
— O parágrafo primeiro é claro, ele diz que a coleta de material biológico para obtenção do perfil genético deverá ser feita, preferencialmente, na própria audiência de custódia ou no prazo de dez dias contados da sua realização. A regra é a identificação civil, excepcionalmente devemos optar pela identificação criminal — ponderou.
Contarato ainda prosseguiu na argumentação e apelou aos senadores para que “uma injustiça não fosse cometida com o Poder Judiciário, como se todas as decisões tomadas em audiência de custódia fossem feitas de forma aleatória, inoportuna e de forma imprudente, sem fundamentação”.
Presidente da CCJ, o senador Davi Alcolumbre (União-AP) fez uma ponderação.
— O projeto foi apresentado por um ex-juiz, que foi eleito senador da República e virou ministro do Supremo Tribunal Federal. E é relatado por um ex-juiz, que virou ministro de Estado e se elegeu senador da República. A construção jurídica e institucional desta matéria, ideologicamente, está em campos opostos — lembrou.
Diante da controvérsia acerca da coleta de material biológico, o líder do governo no Senado, senador Jaques Wagner (PT-BA), se posicionou e afirmou que esse ponto específico do projeto deverá ser objeto de recurso pelo governo, em forma de destaque, para apreciação do Plenário. De lá, se aprovado, o projeto seguirá para a Câmara dos Deputados.