No pior momento da pandemia da Covid-19 no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) comemorou seu aniversário de 66 anos neste domingo (21) com centenas de apoiadores aglomerados, que cantaram parabéns e cortaram um bolo para ele em frente ao Palácio da Alvorada. Em discurso aos apoiadores, Bolsonaro afirmou que tiranos estão cerceando a liberdade das pessoas e voltou a dizer que elas podem contar com as Forças Armadas pela defesa da democracia e da liberdade.

“Alguns tiranetes ou tiranos tolhem a liberdade de muitos de vocês. Pode ter certeza, o nosso Exército é o verde oliva e é vocês também. Contem com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade”, disse.

“Estão esticando a corda, faço qualquer coisa pelo meu povo. Esse qualquer coisa é o que está na nossa Constituição, nossa democracia e nosso direito de ir e vir”.

Desde o início da pandemia, há mais de um ano, Bolsonaro é um declarado opositor das medidas de isolamento social e das restrições aplicadas por estados e municípios sob recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde). Na última semana, Bolsonaro foi ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra governadores pedindo a suspensão de decretos adotados pelo Distrito Federal, pela Bahia e pelo Rio Grande do Sul.

Para o presidente, é importante que as pessoas possam trabalhar. Caso contrário, segundo ele, o país poderia entrar em uma situação de caos. “Não queremos que o Brasil mergulhe em um socialismo, e o caminho para mergulhar no socialismo é o que o povo vai para a miséria, a fome, o tudo ou nada”, afirmou. No discurso, Bolsonaro afirmou que o governo atua na compra de vacinas desde o ano passado. Nos últimos meses, porém, o governo vinha fazendo críticas à Pfizer, alegando que cláusulas “leoninas” impediam de fechar o contrato com a farmacêutica americana, e pouco avançou na negociação com a Janssen.

Somente na última sexta (19) o Ministério da Saúde assinou contratos com as duas empresas para compra de 138 milhões de doses. Além disso, embora a equipe econômica afirme que o auxílio emergencial é uma ajuda temporária e pontual para o momento de crise, Bolsonaro disse que o Brasil implementou o maior programa social do mundo com a assistência.

As falas de Bolsonaro e a aglomeração promovida acontecem justamente na semana em que o presidente vai se reunir com os comandantes do Congresso, governadores e prefeitos. Na próxima quarta-feira (24), Bolsonaro vai liderar uma reunião cujo objetivo inicial era evoluir para um comitê estratégico contra a Covid-19. Parlamentares consideram o encontro a “última chance” de Bolsonaro. Caso a iniciativa fracasse, prometem instalar no Senado uma CPI da Covid ou mesmo pressionar para seu impeachment.

O evento de aniversário reuniu centenas de militantes, muitos deles sem máscara, apesar da orientação de agentes do GSI (Gabinete de Segurança Institucional). O próprio presidente retirou a máscara ao discursar. Ele estava acompanhado da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e do ministro do GSI, general Augusto Heleno. “Enquanto eu for vivo, enquanto eu for presidente, porque só Deus me tira daqui, eu estarei com vocês”, disse Bolsonaro.

O discurso deste domingo lembra ato promovido por Bolsonaro em abril de 2020, diante do QG do Exército em Brasília, quando, também em meio à pandemia e com aglomeração, afirmou que “acabou a época da patifaria” e gritou palavras de ordem como “agora é o povo no poder” e “não queremos negociar nada”.

Parlamentares criticaram o ato deste domingo as declarações do presidente. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que enquanto Bolsonaro faz festa com aglomeração, começa a faltar oxigênio para as pessoas nas cidades. Para ele, o discurso do mandatário tem tom de ameaça. “A ameaça do presidente é proporcional à fraqueza. Quanto mais ameaça, mais medo ele tem de cair. Ele poderia ao menos começar a governar e se preocupar com o que é importante”, disse.

Na avaliação do vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), Bolsonaro não fala em nome do povo quando nega a pandemia e estimula aglomeração. Além disso, o parlamentar diz acreditar que o presidente não tem respaldo dos militares. “As Forças Armadas têm absoluta noção da sua responsabilidade com a ordem democrática. Todas as falas das forças da ativa são absolutamente contraditórias ao discurso de Bolsonaro”, afirmou.

Para este domingo, a Presidência da República separou uma área em frente ao Palácio do Alvorada, que ficou tomada. Militantes se aglomeraram por algumas horas na fila para terem acesso ao local. Os militantes levaram um bolo, enfeitado com o distintivo do Palmeiras. Também levaram uma grande bandeira do Brasil e cantaram o hino nacional.

Bolsonaro lavou suas mãos no espelho d’água do palácio e depois cortou o bolo e distribuiu os pedaços para os apoiadores. Em diversos momentos, os militantes ofenderam os profissionais de imprensa. O grupo também gritou “Fora Ibaneis”, em referência ao governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que decretou um toque de recolher para evitar a propagação do coronavírus.

A maior parte dos presentes vestia camisas com a cores do Brasil. Eles vieram direto de uma carreata em apoio ao presidente, realizada pela manhã em Brasília, que reuniu centenas de veículos. Havia um clima de jogo de futebol, com ambulantes vendendo camisetas e bandeiras na entrada do Palácio do Alvorada. A carreata terminou em frente ao Alvorada, onde manifestantes foram dar os parabéns pelo aniversário do presidente.

A manifestação começou no fim da manhã em frente à Biblioteca Nacional. Seguiu pela Esplanada dos Ministérios e outras vias de Brasília. Chegaram cerca de duas horas depois ao Alvorada. Os manifestantes entoaram críticas aos governadores, em particular aos que promovem lockdown para evitar a propagação do coronavírus.

O Brasil vem registrando recordes seguidos na média móvel de mortes por causa da Covid. O país ultrapassou a marca de 290 mil vítimas desde o início da pandemia. Esse é o segundo domingo seguido com atos em favor do presidente. Bolsonaro enfrenta um momento difícil de seu governo, com reprovação recorde na avaliação de sua atuação no enfrentamento à pandemia.

Pesquisa Datafolha apontou que 54% da população considera ruim ou péssima sua atuação contra a Covid-19. Na última semana, Bolsonaro promoveu a terceira troca de ministro da Saúde durante a pandemia. O médico Marcelo Queiroga vai substituir o criticado general Eduardo Pazuello. Em outra frente, aumentou a pressão no Senado pela instalação de uma CPI da Covid. O movimento ganhou força, em particular, a partir de quinta-feira (18), com a morte do senador Major Olímpio (PSL-SP), vítima da doença.

FOLHAPRESS